“Por que você não tenta poesia?” Foi o que ele me perguntou sem rodeios numa noite em que eu drenava, a conta-gotas, meus sentimentos. Respondi, não sem um pouco de melancolia, que não sabia as regras, recordando todos os versos que li e que me transportavam para o sublime. “Não precisa de regras”, a tréplica veio contundente. Como não precisa? Na escola eu lembro de o professor ditar regras sobre rima, divisão silábica, número de versos e coisas mais que naquela época vã eu não me interessava. Continuei sem rimar e contar sílabas. Hoje, muitos anos depois, sem nunca deixar de ecoar tal questionamento, me peguei pensando sobre a formação dos meus escritores. Estava resoluta, com minha matrícula no curso de português realizada, aos vinte e seis anos tardios. Quem sabe agora eu não posso ser chamada de poetisa sem a consciência pesar. Mas a minha surpresa não foi pouca ao tropeçar em um movimento chamado “poetas analfabetos”. Incômodo, foi a primeira coisa que senti. Ora, como se eu não tivesse um avô compositor que não é letrado! Como pude ignorar e exigir tanto de mim quando sei que a criação é ágrafa, veio antes da linguagem escrita. É leitura primeira. Aquela que a gente faz do mundo. Que poeta não tem que ter diploma, tem que ter sentimento. Poesia é movimento sócio-histórico-político. Criticidade maior que há. É quando eu observo o mundo e, aquilo que observo, em mim reverbera. Interpreto-o, sinto-o, analiso-o, critico-o, internalizo-o e finalmente, posso externalizar. Isso não pede diploma. Como Mãe disse, cultura é “isso que nos levanta da contingência do bicho e nos elogia com o brio do conhecimento, da imaginação e da criatividade”. A escrita vem depois. As regras vêm depois. Não me adianta tê-las e não poder preencher com o estranheirismo idiossincrático que o mundo me propõe.
Política segue a mesma linearidade. Achei que para sentar numa mesa de bar e discutir política eu precisava de um bom curso de história, uma boa noção de direito e mais alguma dose de malandragem. Então nunca abri minha boca para discutir política com quem quer que seja, mesmo que essa política fosse uma verba cortada no meio de um projeto do qual eu fazia parte. Ou que não encontraria representatividade nos grandes figurões que eu via num lugar inalcançável. Isso acontece porque a gente deixa o discutir política só para “quem sabe”. E como eu disse é preciso um bocado de malandragem, assim como que “para fazer um samba com beleza é preciso um bocado de tristeza”.
Antes que seja tarde, antes que eu me esqueça. Muno-me de papel, caneta, sentimento. Sento na mesa do bar, enche-se o copo e discuto representatividade, como dar papel, lápis e letramento para que os poetas analfabetos possam ser, além de ouvidos, lidos. Sentidos. Isso é política: que melhoramos enquanto a poesia vai tecendo-se, na leitura contínua e primeira que faço do mundo.
física e escritora de araque que, em universos paralelos, uni versos para lê-los. escrevo desesperadamente porque a cada palavra desenhada, marcada no papel, eu me conheço um pouco mais. nesse caos de poeira estelar que sou, as palavras são supernovas. berçário de letras. nelas me encontro. são meu lar porque sou elas. elas me formam e, principalmente, me denunciam. denunciam-me a mim. aqui jaz, sob estrelado céu, tais palavras; denúncias. meus pedaços.
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