Caros leitores, hoje quero exercitar com vocês o olhar crítico, afim de nos capacitar para notar coisas aparentemente banais que diariamente nos passam despercebidos, ou até nos soa como algo bacana, porém não é, e "maquia" um problema muito mais profundo do que nos parece, o direito à moradia ADEQUADA.
Acredito que todos que veem assiduamente o Youtube em algum momento já foi interrompido pela publicidade que recortei a imagem para o texto, e para os que não viram a imagem é autoexplicativa.
Na propaganda mais um desses senhores ‘veios’, brancos de meia idade e bem-sucedidos, nos tenta empurrar garganta a baixo algo ruim como se fosse uma maravilha, em uma total desconexão com a realidade que só pode ser bem recebida por um público que também é completamente alienado da realidade de quem realmente ira consumir o que está sendo oferecido e não possui senso crítico algum.
A pergunta que eu faço é a seguinte: será que esses senhores ‘emocionados’, se submeteriam a pagar R$ 600 por mês, tendo que a cada dois anos correr atrás de dois fiadores, ou pagar um seguro absurdo irrecuperável, ou deixando em uma conta um ano de aluguel pago, passando por uma burocracia humilhante, para morar em um vão de escada? Você moraria?
Há uns quatro anos morei em um apartamento alugado no térreo com dois quartos, cozinha, sala, lavanderia, garagem, R$ 450,00 mês e toda a burocracia de se alugar um imóvel, verdadeiro tormento, no meio do contrato, mudei para uma casa com o dobro de tamanho, aluguel dobrado e burocracia triplicada, ao final do contrato a entrega do imóvel se tornou um pesadelo de alto custo e trabalho.
Foi consenso familiar que seria a última experiência de locação, passamos muitos meses morando com parentes até que fosse possível juntar a entrada para a casa própria, algo que já não é a realidade de muitos dos brasileiros. No entanto, essa cruzada não termina aí, a verdade é que ao procurar imóveis para compra, dentro das possibilidades, o que já foi algo quase inacessível, me deparei com a realidade do vão de escada, verdadeiras kitnets em formato de casa ou apartamento, a escolha que me coube foi escolher a que tivesse o melhor acabamento na melhor periferia possível. Hoje agradeço e estou feliz por ter tido condição para escolher, e principalmente fugir da humilhação de ser locatário, no entanto preferiria não ter que ter feito algumas renuncias para morar em um AP, como deixar o Dog para trás ou o espaço do quintal que me proporcionava algum conforto.
Por fim o que nos resta é a lição de que nós nos adaptamos. Sim, nós nos adaptamos, o que ainda não sei, é se isso é uma coisa boa. Nos adaptamos tanto ao ponto de ouvir dizer em moradias em formato de colmeia, exatamente isso, você chega paga a ‘diária’, toma banho em um banheiro comunitário, guarda seus pertences em um armário de aço pega a chave e entre em uma capsula em uma parede em formato de favo de mel, passa a noite, depois pega suas coisas e vai sobreviver o próximo dia. Quase fomos reduzidos a insetos movidos pela memória genética.
Cabe aqui dizer que existem interessados lucrando com esse modelo de sociedade, uma pessoa nessas condições dificilmente possui vida social, ou constitui núcleo familiar, tornando-se uma engrenagem perfeita na máquina do capitalismo. Para que moradias amplas e confortáveis tirando a concentração dos funcionários, se o interessante é que eles se sintam em casa na empresa, onde tem uma sala de descanso mais confortável que o próprio quarto, com TV 50° a cabo e videogame de última geração, café expresso na conta do patrão, cadeira confortável para aturar dezenas de horas de trabalho, ar condicionado e todos os EPIS possíveis para evitar problemas articulares, “até que eles ocorram”. Família para que? A família é a empresarial, afinal ele vai passar a maior parte do dia/vida com essas pessoas.
O direito à moradia adequada inevitavelmente passa pela discussão da redução da jornada de trabalho e de um projeto de mundo, só não notamos no dia a dia porque nos falta tempo para isso, o que torna a ideia de ‘casas’ minúsculas ainda mais palatável visto que diminui o tempo de manutenção da casa, só não nos disseram para que economizar tanto tempo.
Fica aqui um gancho para um próximo texto, quem sabe, de como as cidades são organizadas em classes sociais, e como isso favorece uns e desfavorece outros, violando o direito à moradia adequada firmado em pactos internacionais, uma vez que a moradia adequada requer a possibilidade do desenvolvimento humano, ou seja, saneamento básico, acesso à educação, à cultura, à subsistência e espaço adequado para a recreação familiar. E tentar compreender como é difícil perceber nossas próprias incoerências em um simples definir do que é bairro bom ou bairro ruim, que fazemos sem nem um senso crítico.
Licenciado em Ciências Sociais, graduado em Ciência da Computação, e um apaixonado por assuntos sobre a existência humana, suas organizações políticas, suas relações de produção e seus comportamentos em grupo.
Meu objetivo é observar, interpretar e propor análises sob a ótica da Sociologia, Antropologia e Ciência Política, usando os meios tecnológicos como princípio de interação social contemporânea.